quinta-feira, 21 de março de 2013

O trote diário (nota do CEN referente ao ato racista promovido na faculdade de direito)




E mais um ato racista promovido pela elite fascista vem à tona nas páginas de jornais e na TV em nível Nacional. Na ultima sexta-feira, dia 15 de março de 2013, alunos do curso de direito aplicaram um trote repugnante e com teor altamente machista, homofóbico e nazista. A ação é sem dúvida abominável e inaceitável; ofende, induz e incita a discriminação contra a população negra profundamente. O humor de cunho racista e discriminatório só demonstra que o racismo está arraigado com toda sua força na sociedade brasileira. O mito da democracia racial , conceito instituído por Gilberto Freyre, aponta para uma tendência em que o embranquecimento da nação e a miscigenação ocorreu de forma consensual e, portanto, que nosso país não seria racista e que já tínhamos alcançado a igualdade. Surge então o mito da chamada democracia racial e da relação harmônica entre as etnias presentes no Brasil, mito, que ainda hoje contribui para que práticas discriminatórias continuem sem punição, e por consequência, a naturalização das desigualdades.
A verdade não é essa, vivemos em um país estruturado pelo racismo, e mesmo após a abolição, continua manifestando-se de forma cada vez mais perversa na sociedade. A ação preconceituosa dos estudantes da faculdade de direito é simplesmente um reflexo do que acontece diariamente não só na UFMG, mas em toda a sociedade. Ao contrário do que muitos pensam, a abolição em nada representou nossa libertação e nunca garantiu nossos direitos como cidadãos. Mudam-se os métodos, mas o objetivo não; a inferiorização a população negra, a criminalização da pobreza, a manutenção dos negros em piores empregos e piores salários, a negação de nossa contribuição para a cultura brasileira, essa é a função do patriarcado. O governo atual tem sido um dos maiores responsáveis pela manutenção da mão-de-obra escrava, incentivando a criação e ampliação de vagas em empregos de menor valorização social, dando continuidade aos governos anteriores, perpetuando a cada dia o racismo institucional . A precariedade também é evidente no acesso aos serviços de saúde e educação, em que os negrxs são os mais afetados.

A UFMG, instituição berço dos filhos dos senhores de engenho e, a serviço de um projeto elitista e higienista da sociedade tem hoje, 3% de alunos que se auto-declaram negrxs, mesmo sendo 45% da população Brasileira conforme o IBGE negra no Brasil. É importante também destacar que o mito da democracia racial colabora para criar no imaginário do negro a homogeneização na sociedade e de que somos brasileiros acima de tudo, muitos negros portanto, não se assumem como tal, se declarando como brancos ou pardos ou não respondendo. Os negrxs continuam não alcançando o ensino superior e, quando alcançam, não recebem a assistência necessária à sua permanência na instituição. Muitxs se endividam em faculdades particulares, graças às parcerias dos governos com as empresas particulares, sem qualquer garantia de educação de qualidade, enquanto o estado enriquece os grandes empresários. Em uma universidade em que o conhecimento é mercadoria e atende ao projeto de conhecimento hegemônico da elite. Casos como esse só refletem uma universidade que não nos quer e que continua marginalizando pobres e negrxs. A privatização do conhecimento pela UFMG é evidente, sendo a segunda maior representante brasileira no ranking mundial de patentes, privatizando o conhecimento de “excelência”, em investimentos com o BHTEC e outras obras e investimentos que priorizam a alta produção científica e que em nada nos beneficia. Existem inúmeros problemas nos cursos de humanas e nas licenciaturas, demonstrando que a formação de professores e educadores não é uma preocupação da instituição, enquanto isso a UFMG utiliza o investimento do Reuni conforme seus interesses. A privatização ocorre em todas as esferas da UFMG, no desenvolvimento da pesquisa , por meio da FUNDEP, na permanência e assistência, moradia, alimentação, saúde por meio da FUMP, no serviço a saúde da população pelo EBSERH, por meio do transporte interno e moradia pela TREVITUR, por meio de estágios através de diversas empresas, dentre outros.

Em nota, a reitoria da UFMG, repudia tão somente o trote, e não problematiza o real motivo da ação, o racismo. Sabemos que a reitoria sempre adotou medidas não só para barrar o acesso dos negrxs, como também para oprimir os que conseguem acessar a universidade. Em uma política conservadora, a UFMG, em 2008, preferiu aderir ao sistema de bônus, em detrimento das cotas. Sistema que não conseguiu proporcionar a democratização da universidade, pois não compreendeu nem 50% dos candidatos. Mesmo com a constitucionalidade das cotas aprovada, a reitoria aplicou, neste ano, o sistema com o medíocre índice de 12,5 % de vagas, enquanto várias outras universidades aderiram em seu primeiro ano, 50% de cotas, como é o caso da UFSJ. A reitoria com isso, demonstra toda sua ignorância e desinteresse referente ao acesso à educação, só dá o aval para os professores dos cursos de elite (medicina, direito, engenharias....) falarem em sala que: "50% de cotas? Então teremos que dar aula apenas para 50% das turmas". Por esse motivo os fascistas se sentem tão à vontade para manifestar os crimes de ódio e transformá-los em piadas em que, os traços fenotípicos e a cor de pele distintos são utilizados para inferiorizar nosso povo.
Nós negrxs vivenciamos a violência racista todos os dias, nos próprios corredores da universidade, onde vemos que os negrxs sempre ocupam cargos de limpeza , segurança, dentre outros trabalhos de menor prestígio social, enquanto os estudantes, que são majoritariamente brancos; serão médicos, engenheiros, dentistas, advogados. Para os negrxs? É reservado o trabalho de limpar suas salas.

Sabemos que a maioria dos estudantes negrxs e pobres estão concentrados no período noturno e em cursos de “menor prestígio”, trabalhando 8 horas por dia ou sendo obrigados a exercer funções em estágios que além de não contribuírem a sua formação, atendem a demanda que deveria pertencer aos funcionários públicos. A FUMP além de não coadunar os estágios com proposta de ensino e aprendizagem, utiliza desse estudante pobre e negro para serviços como: reposição de livros em biblioteca, funções de secretariado, dentre outros trabalhos burocráticos dentro da universidade, gesto que reafirma o racismo institucional . Enquanto isso, os privilegiados gozam de tempo e não tem que se preocupar com alimentação e muito menos com a sua permanência.
Várixs estudantes tem sido perseguidos pela reitoria, correndo o risco de serem jubilados, criminalizados por tentar construir um espaço que garanta uma convivência mais humana. São julgadxs muitas vezes por não conseguirem concluir seus cursos em “tempo hábil”, tudo em nome de um projeto de universidade em que a produção acadêmica em massa é mais importante do que o conhecimento adquirido. Em sala de aula o: “Eu sou contra cotas raciais porque fere a constituição”, “já melhorou bastante, a escravidão acabou”, dentre outras falas reproduzidas por estudantes, só servem para deslegitimar uma luta histórica pela conquista dos direitos da população negra.

Enquanto o DCE da UFMG diz que a universidade está caminhando para outros rumos, percebemos o contrário. No auge da opressão, a PM-MG tem circulado livremente dentro do campus; a portaria 034 continua proibindo as festas no campus, os graves problemas quanto à assistência estudantil só aumentam, os constantes jubilamentos e punições aos alunos por posicionamento político divergente também continua. O DCE “gestão pés no chão” em nada nos representa e, com certeza, não fala por nós, estudantes negrxs. A falta de postura do DCE na discussão sobre política de cotas da universidade é um exemplo disso. Outro exemplo são as festas que não promovem qualquer encaminhamento junto à reitoria e ações que só servem para a auto-promoção são frequentes. Juntamente com outros movimentos oportunistas, o DCE aproveita de uma ação racista e nazista para promover condutas publicitárias e hipócritas, sem qualquer postura consistente diante da presença dos negros na universidade, mesmo em um importante momento em que se discute a aplicação da política de cotas nacional. Em nota, O CAAP só reforça as ações racistas promovidas pelos estudantes de direito, e se vale do discurso da diversidade para ignorar o ocorrido e fomentar as práticas racistas. Demonstrando mais uma vez o caráter elitista, racista, homofóbico e excludente do centro acadêmico e dos estudantes que o compõem. Repudiamos às notas de repúdio oportunistas!
A escravidão acabou? Não, a escravidão não acabou. Continuamos exercendo os mesmos trabalhos precários, e continuamos tolhidos de nossa liberdade, de nossa religião e de nossa cultura. Nosso povo tem sido morto nas vilas e favelas, continuam nos negando ao direito à terra e a moradia. Queremos mais que repudiar ações, exigimos nossos direitos; exigimos que a sociedade reconheça que vivemos em um país racista; o fim do trabalho precário, o respeito à nossa ancestralidade; o fim do vestibular que simboliza o filtro de classe; o fim das privatizações; a responsabilização da reitoria, do CAAP, da faculdade de direito e dos envolvidos na ação; exigimos punição para crimes de ódio; exigimos nosso direito de sermos livres; exigimos a garantia de nossos direitos. Pelo respeito à mulher negra, somos feministas negras! Somos todxs Zumbi, somos todxs Dandara.

Coletivo de estudantes negrxs (CEN)

 
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