Embora as
reivindicações pelos direitos da mulher expressos pelos movimentos de mulheres
terem conquistados muitos avanços, percebemos que a luta pelo reconhecimento e
luta das mulheres negras permanece constantemente invisibilizadas. Apesar das transformações
conquistadas pelos movimentos feministas, as mulheres negras continuam marcadas
pelos inúmeros tipos de violência e vivem em uma situação de muita opressão, marcada
não só pelo machismo como também pelo racismo. As negras sempre resistiram a
essa violência, mesmo negadas a diversos direitos, elas foram pioneiras na luta
pela emancipação, ocupando espaços fora de casa muito antes das brancas
questionarem a falta de acesso e as desigualdades impostas pelo sistema de
dominação patriarcal. Mesmo manifestando sua resistência antes das brancas, as
negras ainda não conseguem ter suas demandas contempladas pelos movimentos
feministas, resultando na manutenção dessas mulheres em condições de
desigualdades e falta de acesso.
Se a mulher negra
desempenhava no período escravista o trabalho de exploração de sua força física,
vimos que após a abolição a situação permanece a mesma. Sabemos que quando se
fala do estereótipo do “sexo frágil”, não se fala das negras, pois a essas
sempre foram exigidos os serviços braçais e ainda hoje, elas continuam
desempenhando funções análogas as do trabalho escravo da sociedade colonial.
Além da exploração pelo trabalho, as mulheres negras sempre sofreram com a
exploração sexual por meio do assédio de seus senhores, tendo o corpo reduzido
a um simples objeto. Se antes eram obrigadas a servir aos senhores, até hoje
são exploradas pelo estereótipo da “negra boa de cama” ou a “negra cor do
pecado”, essa visão da negra como objeto sexual é sustentada pela mídia,
estimulando o turismo e a exploração sexual dentro e fora do país. A negra tem
se manifestado pela liberdade sexual e os direitos reprodutivos desde sempre, violências em que a
negra continua sendo a mais oprimida. Se no período colonial a negra era
obrigada a sufocar seu filho na hora do nascimento para que ele não nascesse
escravo, hoje ela continua a ser a maior vítima do descaso com a saúde, fazendo
aborto em clínicas clandestinas ou com procedimentos caseiros arriscados. Muitas delas morrem ou guardam grandes sequelas resultantes do descaso de uma
discussão aprofundada sobre as maneiras de contracepção e o aborto. As brancas,
por sua vez, têm sua saúde e segurança garantidas, já que podem pagar pelos
serviços médicos. E de que vale termos uma presidenta? Dilma tem cada vez mais
ignorado a discussão sobre o aborto e as políticas públicas voltadas a saúde da
mulher negra, representando o retrocesso na luta de mulheres.
As mulheres negras também são vítimas de
padrões de beleza eurocêntricos e brancos que buscam de todas as maneiras
rejeitar nossos traços, cabelos e formas de vestir. As mulheres brancas são
sempre associadas a figuras do bem, as figuras angelicais e isso tem
desestimulado as negras que cada vez mais alisam seus cabelos e perdem a sua
identidade. Enquanto as negras são associadas a figuras maliciosas ou a falta
de asseio, a sujeira, a pobreza.
Assim como no
período escravista a mulher continua desempenhando a responsabilidade de cuidar
de sua família e da família de suas patroas, estas que ironicamente lutaram se reivindicando
feministas para alcançar o mercado de trabalho, mas que mantém as condições de
desigualdade impostas à mulher negra. Enquanto as brancas reivindicavam a inserção
no mercado de trabalho (enquanto feminista), a negra torna-se a principal
provedora da casa após a abolição, uma vez que após a assinatura da lei áurea
não foram garantidos direitos necessários a nossa população, resultando na
marginalização a que nosso povo continua submetido. As mulheres negras sempre
manifestaram diversos maneiras de resistência ao sistema colonial, trabalhando
como quituteiras, por exemplo, tiveram também um grande papel na formação dos
quilombos, auxiliando na troca de informações que garantiam as fugas dos
escravizados em direção aos quilombos. Tendo em Palmares, uma líder chamada Acotirene.
Muitas negras protagonizaram as revoltas negras, como Luiza Mahin, negra
guerreira que protagonizou uma das principais revoltas negras, a revolta dos
malês que aconteceu na Bahia. As negras
sempre manifestaram sua resistência de diversas formas, seja por meio de luta
armada, pela cultura, pela religião ou pela dança. Ainda assim continuam em
situação de submissão à mulher branca e as suas demandas. Após diversas lutas,
sobretudo após a década de 90, muitas mulheres passaram a ocupar altos cargos e
vagas nas universidades, porém ainda temos muita dificuldade em ver mulheres
negras nestes espaços. Por outro lado elas são facilmente identificadas em
espaços destinados aos serviços de limpeza, serviços domésticos e de menor prestígio.
Entendemos que o acesso que é proporcionado às mulheres brancas não é o mesmo
proporcionado às negras. Além disso, sabemos das dificuldade das mulheres
negras em acessar os direitos trabalhistas, sobretudo as que exercem trabalhos
como os de empregada doméstica, função que mais tem explorado e violado os
direitos constitucionais e humanos.
Mesmo tendo
uma sociedade estruturalmente fundada no racismo, a discussão sobre o
“feminismo negro” ainda não desperta a atenção dos movimentos feministas ou por
muitas vezes é tratada equivocadamente como sectarismo. A nossa intenção, porém
é de promover a luta da mulher negra e suas especificidades somadas à luta dos
movimentos feministas, a invisibilidade de uma análise que contemple a questão racial e a questão da mulher só contribuem para que as mulheres negras não acessem os serviços públicos e para que continuem excluídas do processo democrático.
O bloco das
pretas é um bloco fundado pelo CEN- Coletivo de estudantes negros e surge com o
intuito de compor uma luta completa pela descolonização por meio do
empoderamento das mulheres, pois acreditamos que a valorização de nossas matrizes
afro-brasileiras são ferramentas necessárias para refletirmos acerca das
dominações em que nós, negras, estamos submetidas. Estamos no país mais negro
fora do continente africano, o Estado de Minas Gerais é o terceiro estado mais
negro do país, mas percebemos que a mulher negra continua inferiorizada e excluída. Com altos índices de violência contra mulher, nós sabemos que as
negras são as que menos utilizam a lei Maria da Penha, muitas vezes nem conhecem
os instrumentos de denúncia; além de serem afetadas pela falta de auto-estima,
dependência financeira ou emocional e pelo medo de retaliação. Acreditamos que
somente as medidas punitivas em nada solucionam os problemas de um sistema
patriarcal, essas devem ser associadas a programas de educação, prevenção e
conscientização da população, hoje o que o sistema prisional representa as
senzalas do período colonial, que privam majoritariamente a população negra. A maior parte das mulheres em privação de liberdade, tanto em sócio- educativos quanto em penitenciárias hoje no estado também são
negras. Entendemos que a visão colonialista e o
racista são fundamentais para a manutenção do capitalismo e a imposição dos
valores eurocêntricos em que o machismo se expressa. Combatemos as visões etnocêntricas
e racistas que buscam inferiorizar nossa cultura, construindo dentro da marcha
de mulheres um bloco que possa visibilizar nossa luta. Para nós é de suma
importância que a luta de mulheres deve contemplar as dinâmicas de opressão
impostas pela sociedade, avançando a luta das mulheres negras em todo Brasil. Convidamos
a todxs companheirxs para compor esse movimento, acreditamos que a violação aos
direitos humanos em que a mulher negra está exposta deve ser exposta e combatida
e para tanto devemos avançar nossas discussões com os movimentos convencionais
na luta pela garantia de direitos que contemplem todos, sem isso os movimentos
não alcançarão a revolução e a igualdade.
FRENTE DE MULHERES BLOCO DAS PRETAS - COLETIVO DE ESTUDANTES NEGRXS
FRENTE DE MULHERES BLOCO DAS PRETAS - COLETIVO DE ESTUDANTES NEGRXS
“Contaremos
com a vivência histórica de resistência da mulher negra e indígena para
mudarmos, em caráter de urgência, esse cenário de desigualdades. Mas há que
pular todas essas barreiras, externas e introjetadas, fazer do feminismo a soma
de todas as variações do feminino.”
Alzira
Rufino
1 comentários:
Adorei o texto. Parabens!
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